Coluna Luciano Medina Martins: República dos Pavões

DESTAQUE Geral Luciano Medina Martins
Foto: Arquivo pessoal
Luciano Medina. Foto: Arquivo pessoal

Os brasileiros, donos de um dos verões mais cobiçados do planeta, chegam a este momento de reinicialização coletiva das consciências. Alguns mais privilegiados podem curtir lindas enseadas nordestinas, outros menos privilegiados podem curtir uma caminhada no parque em um dia menos cheio, meu caso. Os fogos dos primeiros minutos do ano nos rementem a esta contemplação sobre o que fizemos e do que nos fizeram durante o ano. Ouço muitas reclamações de 2016. De minha parte considero a minha sobrevivência uma conquista diante do contexto de ultra violência, barbárie e ignorância epidêmica.

Existe uma ideia entre teóricos da sociedade de que aquilo que acontece no centro de poder e as altas esferas da decisão reverberam nas vidas cotidianas e até individuais das pessoas, parece que esta teoria se fez exemplificar no Brasil de 2016, pelo menos para muitos daqueles com quem conversei. Realmente estivemos presos a um debate político que flertou com o inútil e o insano em relações promíscuas e absurdas. Presos a uma disputa de pavões, que gastam sua energia somente ostentando suas plumagens para saber qual é o mais viçoso, nossos líderes políticos e seus correlatos gastaram muito de seu tempo, energia e recursos para se embateram como os pavões. Em 2016 vimos parlamentares, magistrados, governadores, ministros debaterem mais sobre suas próprias prerrogativas de poder do que sobre um projeto de desenvolvimento que valorizasse os professores, os pesquisadores ou os artistas, que em última instância representam a inteligência de uma sociedade, sem a qual não chegaremos a lugar algum. Temos muitos indícios de que a inteligência está virando um iguaria raríssima, difícil de encontrar e apreciada somente por uma minoria excêntrica e que não encontra um habitat favorável entre os pavões de nossa República, ilhados no oxigênio rarefeito do planalto central.

No nosso combalido Rio Grande do Sul vemos a extinção de fundações voltadas para pesquisa e desenvolvimento econômico, científico e cultural, que representam muito pouco do orçamento do Estado, bem menos de um por cento, que mesmo tendo uma enorme responsabilidade junto a inteligência e a produção de informações relevantes para a tomada de decisões, foram objeto de sumária aniquilação em um debate parlamentar esquizofrênico que só fez separar quem é da base do governo de quem não o é.

Vou contar uma pequena história para ilustrar o que estão fazendo com a extinção das fundações do Estado do Rio Grande do Sul: o comprador de um carro vai a loja de carros e diz, “quero um carro econômico, de baixíssimo custo”. O vendedor oferece um modelo popular, com motor pequeno e logo o comprador argumenta. “Faróis, para que faróis? Não influenciam na economia do motor, então não quero.” O vendedor argumenta que a lei obriga o uso de faróis, o que não demove o comprador de sua convicção. “Para brisa, para que este enorme e caríssimo vidro, não influencia na economia do motor, não o quero, já tenho óculos que inibem o vento nos olhos.”  O vendedor mais uma vez tenta dissuadir lembrando do risco de fumaça, chuva e insetos podem até mesmo provocar um acidente,…inútil. “E esta coisa aqui, redonda na frente do banco?” Esta é a direção, responde o vendedor, sem ela não tem como manter um carro em uma direção. “Influencia na economia de combustível do motor?” pergunta de forma retórica o comprador. Não, responde o vendedor. “Então não a quero. Caríssima. Feita de material importado.” Mas sem a direção não tem como usar o carro, argumenta o vendedor. De pronto vem a resposta. “Eu fixo este parafuso com esta chave de fenda que já tenho, e o carro anda em uma direção, que é a que quero, e seguimos nela, afinal, sei para onde quero ir e sei da direção”. Mas o preço do carro no final é muito pouco a menos sem faróis, para brisa e direção, tentou uma última vez o vendedor, contornar a situação. O que pôs em total fúria o comprador que desferia xingamentos… “Vocês acham que sou algum idiota que não sabe o valor do dinheiro? “  Com o escarcéu armado veio o gerente da loja, dizendo que o cliente sempre tem razão e procedeu com a venda do carro customizado e com um desconto de 5%. Na hora todos ficaram felizes, pelo menos até o momento em que o carro tivesse que ser usado.

Ao longo da história as sociedades que dominaram suas regiões, que influenciaram as economias e o modo de se gerar valor ou de se comprar e vender foram aquelas que valorizaram seus inventores, artistas, professores, escritores e todos que geravam novidades e elementos que aguçassem a sensibilidade ou esclarecessem questões de dúvida sobre pesos, medidas e origem das coisas. Matemáticos, filósofos, dramaturgos, compositores, físicos, engenheiros, médicos, escultores, arquitetos entre outros pesquisadores e desenvolvedores muitas vezes estiveram entre as celebridades mais famosas das sociedades melhor desenvolvidas. No Brasil de 2017 nossas celebridades, e as novas celebridades que se afirmam, parecem refletir uma condição preocupante. Pense rápido no nome de um físico ou um escultor brasileiro ou ainda um compositor que seja celebridade. Se ao pensar em um compositor você em primeiro lugar lembrou de algum performer de baile de fânque, ou um MC ostentação, então já vive no seu dia a dia a consequência dos problemas que relato. Se veio à mente o nome de um físico ou escultor brasileiros vivos, provavelmente você é da física ou é um escultor. Resumo da ópera: estamos fritos. Que Deus nos proteja em 2017 e que controle Donald Trump.

 

                                                                                                                               Luciano Medina Martins | Jornalista

 

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